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A jornada de pertencimento da Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro
19/10/2023 -
Imagem Carrossel

Corpo

No ano de 2020, ainda antes da maior crise sanitária da humanidade neste século, a Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro (PGE-RJ), instituição pública e perene responsável pelos serviços jurídicos da Administração Pública estadual, realizou pesquisa de clima dentre seus membros. O objetivo era dotar a PGInova, recém-criado departamento de inovação da instituição, de informações para auxiliar e orientar a tomada de decisões de gestão de pessoas.

O resultado da pesquisa, que contou com 87% de adesão dos integrantes da PGE, descortinou uma realidade alarmante. Como o público que participou da pesquisa foi predominantemente feminino, os responsáveis pelo estudo criaram uma persona para representar o “servidor médio” da instituição e a apelidaram de Serafina.

A Serafina se apresentava como uma pessoa triste, desmotivada, deprimida, desprovida de senso de pertencimento com a Instituição… “Não enxergo o impacto do meu trabalho na organização”; “Não me sinto valorizada”; eram algumas das dores relatadas pelos profissionais que participaram da pesquisa.

“Motivação e eficiência”; “Melhoria do clima”; “Realização pessoal”; “Contribuição Efetiva para a PGE”; “Autodesenvolvimento”; e “Reconhecimento” apareceram como anseios do grupo. Com o advento da pandemia da COVID-19 e as drásticas medidas de isolamento social, esse quadro inevitavelmente se agravou. Era preciso agir. Em setembro de 2020, ao assumir o cargo de Procurador-Geral do Estado, a convite do Governador do Estado, tive a preocupação de reler a pesquisa e já nas primeiras semanas propus aos membros da nova gestão um plano de ação, que denominei de “o Resgate de Serafina”.

O objetivo era claro: precisávamos dar atenção especial e cuidar das pessoas que trabalhavam na Procuradoria Geral do Estado, independentemente de classe social e da natureza do vínculo delas com a instituição. Nasceu, então, o primeiro e importante projeto de recursos humanos da gestão que se iniciava: o Laboratório da Qualidade de Vida no Trabalho.

A ideia era criar um espaço propício para que as pessoas, das mais variadas classes sociais e ocupantes de diferentes cargos e funções, pudessem falar e ser ouvidas, além de oferecer uma gama de palestras, debates e conversas sobre diversos temas da vida cotidiana.

O foco era muito claro: cuidar da saúde psíquica dos nossos colaboradores, oferecendo-lhes acolhimento para os dias difíceis e, ainda, uma espécie de suspiro mental, além da possibilidade de interação com os colegas de trabalho e maior conexão com a própria instituição. Como ainda estávamos no auge da pandemia, as iniciativas eram todas virtuais e sediadas no @lab_pgerj, perfil fechado e exclusivo para membros da Casa no Instagram.

Durante os meses subsequentes, portanto, inúmeras ações foram realizadas pelo Laboratório da Qualidade de Vida da PGE-RJ, cujo propósito se tornou fomentar a busca pela felicidade e melhor qualidade de vida no trabalho.

O Lab, como é conhecido pelos seus voluntários, se tornou um espaço de desenvolvimento pessoal dos mesmos, na medida em que possibilitou que cada profissional pudesse potencializar seus dons e talentos, para além das funções profissionais, permitindo, por exemplo, que alguns colegas escrevessem colunas para o perfil no Instagram sobre temas de sua predileção.

A experiência do laboratório tem sido espetacular e causou um enorme impacto no clima interno da Procuradoria, pois, de início, possibilitou grande engajamento entre os nossos membros, além de um acolhimento emocional que a nossa comunidade, assim como todo o mundo demandava em razão dos efeitos colaterais advindos da pandemia da COVID-19.

Por outro lado, o Lab acabou se tornando um hub de ideias e projetos de gestão de pessoas. Dele nasceu a parceria firmada com o Sistema SESI/FIRJAN, que oferece, em ambiente virtual e gratuito, a todos os membros da PGE, guia de atividade física, orientação nutricional e atendimento psicológico.

O foco e atenção à saúde mental se tornaram um norte para a gestão da PGE e, a partir dessas bem sucedidas iniciativas, criamos, vinculado ao Gabinete do Procurador-Geral, o Núcleo de Saúde, que possui na sua estrutura uma forte e efetiva atuação no acolhimento do nosso público alvo, identificando os potenciais problemas dos indivíduos, bem como situações de grave risco emocional e agindo para minimizá-los e/ou controlá-los.

Noutro giro, criamos, igualmente vinculadas ao Gabinete do Procurador-Geral, duas importantes comissões. A primeira delas, a Comissão Especial para Combate ao Racismo Estrutural e Institucional da Procuradoria Geral do Estado, que tem por objetivo promover ações concretas de combate ao racismo, estudos, seminários, cursos, eventos culturais e dinâmicas para conscientização dos agentes públicos acerca do racismo e suas consequências.

O primeiro passo foi realizar uma pesquisa, no ano de 2021, sobre raça e racismo no âmbito da Procuradoria. A partir dos dados apurados, a Comissão vem envidando esforços para implementar medidas de conscientização acerca dos efeitos do racismo institucional e estrutural, assim como propor políticas mais eficazes de combate ao racismo. Por iniciativa da comissão tornou-se realidade a prorrogação da Lei de Cotas até o ano de 2081.

Posteriormente, foi criada a Comissão Especial para Promoção da Igualdade de Gênero, que tem como objetivo apresentar sugestões ao Gabinete do Procurador Geral de modo a prevenir e enfrentar todas as formas de discriminação e violência contra as mulheres no âmbito da PGE-RJ.

A partir do conhecimento adquirido com outros órgãos, como a Defensoria Pública estadual, o Ministério Público e a OAB/RJ, a Comissão estruturou a aplicação da 1ª Pesquisa de Gênero realizada na PGE-RJ, bem como requisitou o levantamento de dados à Gerência de Recursos Humanos e ao Centro de Estudos Jurídicos.

A pesquisa foi aplicada em outubro de 2021, direcionada para as mulheres da PGE-RJ e a partir dos seus resultados a Comissão definiu temas de maior impacto e interesse e vem, ao longo dos últimos meses, realizando encontros para debater propostas de ações para eliminar a desigualdade de gênero na PGE-RJ, com especial enfoque no enfrentamento e combate ao assédio moral e sexual por meio de campanhas, eventos e seminários, inclusive em parceria com a CECREI, tendo em vista a maior vulnerabilidade das mulheres negras.

Em consequência desse trabalho, a instituição inaugurou, em maio de 2023, uma sala de apoio à mulher lactante, a primeira em um órgão integrante do Sistema de Justiça estadual, e firmou parceria com o Instituto Fernandes Figueira para doação do leite não aproveitado.

Todas essas iniciativas tiveram um impacto significativo no clima e no ambiente interno da Procuradoria Geral do Estado. Em recente e nova pesquisa realizada com o mesmo público alvo, 85% dos Procuradores do Estado e demais Servidores consideraram as atividades desenvolvidas no Lab relevantes para a promoção do bem-estar e saúde no trabalho.

Outros fatores e iniciativas contribuíram, de igual sorte, para a melhoria do ambiente institucional, tais como o constante reconhecimento dos bons profissionais, das boas práticas e efetivas entregas. Em alguns casos o elogio é feito formal e nominalmente com publicação no diário oficial e respectiva cerimônia comemorativa.

Os exemplos aqui narrados, bem como os espaços criados pelo Lab e pelas comissões temáticas acabaram criando uma única e incrível oportunidade para que os nossos colaboradores tivessem voz e “lugar de fala” dentro da instituição. Com isso, eles puderam se desenvolver pessoal e profissionalmente, já que tiveram a chance de trabalhar em ações e projetos que tocam seus corações e, em alguns casos, representam seus propósitos de vida. Espero que estas iniciativas possam ser replicadas em outros departamentos e que, assim, possamos aos poucos desenvolver a noção de pertencimento em muitos times jurídicos espalhados pelo Brasil. A transformação jurídica pró-saúde mental também é possível no poder público.

BRUNO DUBEUX – Procurador do Estado do Rio de Janeiro desde 2004. Foi presidente da Associação dos Procuradores do Estado e ocupou diversos cargos de chefia e assessoramento na Instituição até ser nomeado pelo Governador, em setembro de 2020, para o cargo de Procurador-Geral do Estado. É mestre em Políticas Públicas e Processo pela FDC/RJ e possui formação avançada em liderança, planejamento estratégico, negociação e tomada de decisões pela escola de governo de Harvard – Kennedy School of Government.

*Artigo publicado no site JOTA no dia 19 de outubro de 2023